quinta-feira, 2 de abril de 2020

As nuvens
paradas no céu
as calçadas
limpas
o gerânio que
deu flor
a varanda ensolarada
as ruas vazias
as praças sem
namorados
o amor fez pausa
os pássaros
se ouvem mais
a pombinha
chocando o ninho
o urubu na carniça
o grito em sol maior
um abraço
que não se deu
a chuva que
vai cair
e aquele pássaro
continua a intrigar
a noite a chegar
e o corona a debelar
Hoje acordei
com saudade dele
lembrando da minha
infância com ele
as revistas recreio
que ele comprava
os lápis de cor
as cadernos de desenho
as aulas de português
as crônicas escritas
os livros de arte
o teatro com Dercy
os domingos com
Charles Chapin
rir até soluçar
na sua humanidade
nos Cantalícios
Dalvas
Homens da tesoura
seu Agostinho
conversas com seu
Hipólito
os verões em
Cacupé
as piscadas à distância
os cuidados com os
ralados de bicicleta
as corridas no pronto
socorro
por um pontinho
na testa
as gargalhadas com
os amigos
os nós nas gravatas
os ternos bem esticados
os poemas dedicados
a casa da presidente coutinho
a sua ligeireza
os seus medos
de avião
o seu gosto pela
carmina burana
pela Elis Regina
a Élis como ele falava
os quadros de Ely
Valda Martinho Tércio
Jair que sempre
estiveram na mira
do nosso olhar
a tapeçaria do
Vecchietti na
parede do seu escritório
o seu chinelo franciscano
o sobretudo preto
o olhar pro simples
pro poético
pro mundo da lua
pras horas vãs
sempre se perguntando
sobre os mistérios da vida
hoje
acordei
com
saudade
dele
o fim da tarde
está desaparecendo
no horizonte
uma flor pede
que a luz do sol
aqueça por mais
um minuto as suas pétalas
a luz
o sol
a flor
as pétalas
por
um
minuto
a mais
a onze-horas que
se prepara pra abrir
o coro dos grilos
o vento balança
as folhas da bananeira
a saíra no galho
da laranjeira
a cúrcuma em flor
o perfume
do capim-limão
o sabor do alecrim
na comida
o mamoeiro
que vem crescendo
a maria-sem-vergonha
que tinha sumido
a ora-pro-nóbis
no canteiro dos fundos
e a antiga goiabeira
ainda dá frutos
Ai que saudade
Dos amigos
Das brincadeiras
Dos abraços
Daqueles dias
Ai que saudade
Daquela gente
Das conversas
Dos afagos
Dos olhares
Das gargalhadas
Ai que saudade
notícias de um vírus
se chama covid 19
as pessoas fechadas
em casa
uma saída rápida
ao mercadinho
do bairro
pessoas de máscara
nem pensar em
se aproximar
um sentimento estranho
parece filme de suspense
o medo toma conta
uma vontade de acordar
do pesadelo
o dia a dia
uma rotina a seguir
a natureza desperta
descansa das pegadas
humanas
o mundo parou
gritos e panelas
nas janelas
artistas fazem da sacada
o palco
os abraços têm de esperar
as conversas por vídeo
diminuem as distâncias
e assim vamos nos
descobrindo
mais humanos

terça-feira, 24 de março de 2020

dias de quarentena
os tons
do verde no quintal
a flor branca
está reclusa
e a água que
corre no córrego
canta em silêncio
a curreca e o sabiá
estão em
galhos distantes
mas contagiados
somente pela
poesia da cantoria
as frutas espalhadas
pelo chão
as folhas
ao redor
na sacada o cachorro late
e o canto daquele pássaro
continua a intrigar
O córrego segue cantando
a barba de velho
alí pendurada
parece esperar
o próximo natal
a flor amarela
no terreno vizinho
e a pedra
aqui ao lado
parece dormir
as folhas eriçadas
no vaso marrom
o moedor de carne
como enfeite
no relógio redondo
passam as horas
na mesa a garrafa
amarela de café
o microondas apitou
três vezes
o leite está quente
lá fora o verde
continua lindo
o canto do pássaro
continua a intrigar
a gatinha a miar
as notícias de whatss
a amedrontar
e assim a rotina
da quarentena a se passar
Em tempos
de quarentena
a rotina
vai se fazendo
compartilhamento de notícias
o café da manhã
desenhar
escrever
arrumar
limpar
álcool a cada instante
café da tarde
mais compartilhamentos
assim vamos
tentando manter
o contato social
jantar
mais compartilhamentos
e a manifestação
todo o dia
#forainominável
Nessa manhã
de outono
a rede permanece
esticada como
se estivesse
esperando alguém
sentar
as louças
ainda sujas
da janta da noite
passada
as janelas abertas
pro ar puro entrar
o gato da vizinha
passa e se enrosca
da cadeira de balanço
a chaleira ferve a água
pro café
e assim começa
mais um dia
de quarentena

deu flor
a varanda ensolarada
as ruas vazias
as praças sem
namorados
o amor fez pausa
os pássaros
se ouvem mais
a pombinha
chocando o ninho
o urubu na carniça
o grito em sol maior
um abraço
que não se deu
a chuva que
vai cair
e aquele pássaro
continua a intrigar
a noite a chegar
e o corona a debelar
Hoje acordei
com saudade dele
lembrando da minha
infância com ele
as revistas recreio
que ele comprava
os lápis de cor
as cadernos de desenho
as aulas de português
as crônicas escritas
os livros de arte
o teatro com Dercy
os domingos com
Charles Chapin
rir até soluçar
na sua humanidade
nos Cantalícios
Dalvas
Homens da tesoura
seu Agostinho
conversas com seu
Hipólito
os verões em 
Cacupé
as piscadas à distância
os cuidados com os
ralados de bicicleta
as corridas no pronto 
socorro
por um pontinho
na testa
as gargalhadas com 
os amigos
os nós nas gravatas
os ternos bem esticados
os poemas dedicados
a casa da presidente coutinho
a sua ligeireza 
os seus medos
de avião 
o seu gosto pela
carmina burana
pela Elis Regina
a Élis como ele falava
os quadros de Ely 
Valda Martinho Tércio
Jair que sempre
estiveram na mira
do nosso olhar
a tapeçaria do 
Vecchietti na 
parede do seu escritório
o seu chinelo franciscano
o sobretudo preto
o olhar pro simples
pro poético
pro mundo da lua
pras horas vãs
sempre se perguntando
sobre os mistérios da vida
hoje
acordei
com 
saudade
dele




sábado, 14 de março de 2020

uma casa
uma salsa
um encontro no jardim
corpos se entrelaçam
no rítmo da dança
um taquicardia denuncia
uma paixão
o caminhão do lixo
quebra o silêncio
é na calada da noite
que os rapazes
pulam e lançam
suas luvas nos sacos
saem correndo e voltam
com a alma lavada
com a missão
de limpar a sujeira
do mundo
a sala
na penumbra
a gata se enrosca
no tapete marrom
o sapo martela
no lago do quintal
a cidade
aos poucos
vai silenciando
e a dama da noite
já se prepara
pra exalar
todo seu esplendor
O reflexo
da sombra
o piso com limo
a luz dá
o verde da grama
a folhas secas
que caíram
na madrugada
a mosca azul
passa nesse instante
e fez a vida
parar por um segundo
Todo dia ela dá
corda no cuco
da sala
e toda vez
é remetida
à casa de infância
onde o mesmo
cuco ficava
na época era sua avó
que cumpria solene missão
muitas vezes o cuco
foi música de fundo
pra tantas cenas
umas alegres
outras nem tanto
algumas vezes
foi silenciado
talvez porque
seu canto
lembrasse a finitude
de tudo
ou porque
seu compasso
trouxesse a angústia
das horas enfadonhas
ou ainda
pela perplexidade
de se colocar
rítmo ao tempo
e uma última hipótese
a de ter que todos
os dias dá-lhe corda
cuco
cuco
cuco
amanheceu
abri a janela
o mamoeiro
e o cacho de banana
continuam alí
intactos
como oferta
do além mar
uma cadeira
um canto de bem-te-vi
a meia luz
refletida no tampo
de vidro
na mesa da sala
são seis horas
da manhã
o despertador bate
é a vida
começando
outra vez